Nem toda ponte aproxima. Algumas afastam.
- Renata Monte Alegre
- 7 de jun.
- 3 min de leitura
Em 2013, a inscrição pra Corrida da Ponte custava R$110. Em 2025, a mesma prova volta ao calendário com valor de R$499. A pergunta que atravessa a Baía de Guanabara é direta: faz sentido o salto de 353%?

12 anos depois, ela voltou. A Corrida da Ponte, num dos maiores cartões-postais do Brasil entre Niterói e Rio, está de volta ao calendário. Com um novo nome: agora é Desafio da Ponte. De resto, o pacote parecia igual: o asfalto exclusivo, o visual arrebatador e a chance única de correr onde só passa motor. Tudo isso tá de volta. Mas junto, veio o susto: a inscrição vai custar R$499.
Vamos direto ao ponto: esse valor não é reajuste, é ruptura. Em 2013, o mesmo evento cobrava R$110. Corrigido pela inflação, seria cerca de R$190, hoje. Isso significa que o novo preço é 2,6 vezes mais alto do que deveria ser. Nem o arroz, nem o café, nem a gasolina, todos vilões frequentes no orçamento do brasileiro, subiram tanto. A São Silvestre, maior corrida de rua do país, foi de R$150 pra R$230 no mesmo intervalo.
Alguém pode lembrar que eventos desse tipo evoluíram e hoje corrida é entretenimento. Pois até grandes festivais como Lollapalooza e Rock in Rio tiveram aumentos bem mais moderados no mesmo intervalo. E olha que eles têm estrutura de megashow, palco, segurança, atrações internacionais. Na prática, a inscrição pra correr na Ponte valorizou mais do que a bolsa de valores. Cresceu como se fosse um fundo de investimento de alta performance, com retorno médio de 13,1% ao ano. É impressionante, mas também é desconcertante.
José Eduardo Garcia, maratonista com 135 provas no currículo e profissional do mercado financeiro, além de colaborador do Jornal Corrida, resume a distorção com precisão: “é um reajuste que ignora qualquer referência econômica real. Se fosse um ativo negociado na Bolsa, eu diria que está inflado demais para ser sustentável. O problema é que não estamos falando de papel, estamos falando de pessoas”, ele alerta.
Uma ponte que ao invés de unir, afasta.
Corrida de rua, por definição, deveria ser democrática, acessível. O apelo do esporte sempre foi o asfalto livre, o corpo em movimento, a linha de chegada como metáfora de superação, e não como produto premium. Sim, entendemos que eventos demandam estrutura, segurança, logística. Mas o tamanho do salto, mais de 350%, não conversa com a realidade econômica do país, nem com o histórico da prova. Simples, assim. O que era pra ser uma celebração do pertencimento agora parece uma barreira de entrada.
O corredor de 2013 era movido a sonho. O de 2025 também. Mas com uma diferença fundamental: hoje ele é mais consciente. Sabe o custo de uma estrutura, entende logística, compara eventos, exige transparência. Ele não quer mimo, quer argumento. E o Jornal Corrida tá aqui pra isso: pra oferecer dado, contexto e cutucada. Porque transformar prova em produto é uma escolha. Mas quem corre também tem escolha: apoiar, questionar, exigir.
Portanto, acreditamos que debater esse valor não é só uma questão de números. É conceitual, de posicionamento. A pergunta que fica é: quem o Desafio da Ponte quer alcançar em 2025? Porque se for só quem pode pagar R$499, o desafio vai pra bem além da corrida e a travessia corre o risco de perder parte da sua alma.